Pudor Fingido

A história volta a repetir-se.
Apenas nós, ele e eu, estávamos cientes do que se estava a passar. Ele era cuidadoso para não dar nas vistas, não fazer movimentos bruscos ou demasiado notórios. Fazia tudo com uma calma doentia, não queria suscitar a atenção do público atarefado que nos rodeava.
Olhar sedento, doentio, maldoso, perfurava a minha alma, o meu ser.
A sua respiração acelerava com o toque, porém a sua sede aumentava, insaciável. Sabia bem que não iria satisfazer a sua sede, talvez esse nem fosse o seu objectivo mor, mas isso não o impediu de perturbar a minha manhã, o meu humor e a minha sanidade.
Circo imundo. Escumalha. Espectáculo para tarados.
Quanto mais velha, mais degradada se encontra a mente e o bom senso. O bom senso.. Esse não está degradado: não há como degradar algo que nunca houve.
Entristece-me e traumatiza-me. A expressão "temos de lutar por nós" acabou de ganhar uma nova cor e um novo sentido, um sentido literal, aos meus olhos. Ninguém nos ajuda, só nos pisam. Têm prazer com o desespero do outro. Que criaturas do mal que conseguimos ser, quão cruéis, bárbaros, selvagens e pungentes.. Principalmente pungentes. Usamos e abusamos do poder de ferir o outro nosso semelhante, quer como meio de nos afirmarmos, quer como desejo doentio e fétido de ver o outro cair por terra às nossas custas.
Quão inumano o humano consegue ser.

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